Rito da Entrega da Cruz
Padre Othon Etienne, SPSJ
Na sua catequese aos discípulos sobre o tema do seguimento que é livre e opcional, Jesus deixa muito claro: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”.(Mt16,24). O caminho da santidade passa pela cruz, e todo o apostolado fundamenta-se nela. São João Paulo II fazendo eco ao ensinamento de Jesus, numa das suas homilias ressaltou: «A cruz é o livro vivo em que aprendemos definitivamente quem somos e como devemos atuar. Este livro está sempre aberto diante de nós». A cruz é o distintivo que manifesta quem somos: o nosso falar, pensar, olhar e agir estão sob o sinal da cruz, ou seja, sob o sinal do amor de Jesus até ao fim. «O sinal da cruz manifesta a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-lhe e significa a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.235).
Na celebracão do batismo, os catecúmenos adultos são marcados nos sentidos, com estas palavras: «Recebei o sinal da cruz nos ouvidos», para ouvir a voz do Senhor»; «nos olhos, para ver o esplendor da face de Deus»; «nos lábios, para responder à Palavra de Deus»; «no peito, para que Cristo habite nos vossos corações mediante a fé»; «nos ombros, para sustentar o jugo suave de Cristo» (Rito da iniciação cristã dos adultos, n. 85). Tornamo-nos cristãos na medida em que a cruz se imprime em nós como uma marca “pascal” (Ap 14, 1; 22, 4), tornando visível, inclusive exteriormente, o modo cristão de enfrentar a vida. Fazer o sinal da cruz quando acordamos, antes das refeições, diante de um perigo, em defesa contra o mal, à noite antes de dormir, significa dizer a nós mesmos e aos outros a quem pertencemos, quem desejamos ser.
Jesus tomou sua cruz e seguiu fiel até a morte. Não fez isso porque era um coitado, mas sim por amor a toda a humanidade. O segredo em enfrentar nossas cruzes diárias está no amor. Na cruz, Jesus mostrou que o amor também passa pelo sofrimento. Amar implica renúncias, porém é a única coisa capaz de dar sentido a vida. Carregar a cruz significa abraçar os problemas da vida e enfrentá-los por amor e com amor. Nós cristãos não devemos ter vergonha da cruz. A cruz é o trono de Cristo, onde reina o amor. Quem carrega a cruz deve se orgulhar de carregar o maior símbolo do amor de Cristo, que deu a vida pelos seus e por todos nós. São Cirilo de Jerusalém (Século 4 )comenta: «A Cruz vitoriosa iluminou quem estava cego pela ignorância, libertou quem estava preso pelo pecado, trouxe a toda a humanidade a redenção».
Como os sacramentos e sacramentais falam da cruz?
Os sacramentos traduzem em gestos e em símbolos realidades “invisíveis e inefáveis” mas, mesmo que minimamente explicáveis, não esgotam o mistério da fé. O simbolizado sempre nos escapa. A Sphragís é desses gestos eloquentes, precisamente por sua singeleza, legado pela Tradição da Igreja. Esse rito remonta à Igreja Apostólica. Entre outras coisas, aparece como sinal de pertença, cuja prática já parecia bastante disseminada. “Quem nos ensinou a assinalar-nos com o sinal da cruz foram os que colocaram sua esperança no Senhor” (Basílio de Cesaréia).“Sphragís é tão relevante que, pelo menos nos primeiros séculos, designava o conjunto da iniciação cristã.
Modelo de entrega da cruz
Presidente: Jesus Cristo chamou vocês para serem seus discípulos e amigos! Sejam fiéis a Ele e perseverantes na caminhada! O sinal-da-cruz de nosso Senhor Jesus Cristo é o distintivo dos cristãos. Por isso, agora vou marcar vocês com o sinal da cruz. Cada vez que rezarem e fizerem o sinal-da-cruz, lembrem-se de Jesus Cristo e de seu amor por vocês!
Oremos: Deus todo poderoso, que pela cruz e ressurreição do vosso Filho destes a vida ao vosso povo, concedei que esses vossos filhos e filhas, marcados com o sinal da cruz, sigam os passos de Jesus Cristo, conservem em sua vida a graça da vitória da cruz e a manifestem por palavras e obras. Por Cristo, nosso Senhor!
Todos: Amém
Celebrar a beleza da fé pós-pandemia
Padre Othon Etienne, SPSJ
Coronavírus ou Covid-19!Uma experiência global inusitada, jamais imaginada. Mexeu com todos, com tudo, com o planeta terra: casa comum. Parece que tudo está virado de ponta-cabeça, tudo fugiu do nosso controle. Esta pandemia nos colocou diante do imprevisível e impensável. Porém, com o salmista incansavelmente rezamos: “O meu socorro vem do Senhor.”(Sl 120,2). No meio deste drama mundial, as palavras de Jesus: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28, 20) ecoam nos nossos ouvidos com todo seu esplendor e sua quintessência. Nas noites escuras da vida e da história, o Senhor permanece conosco. Não estamos sozinhos diante dos problemas, desilusões, sofrimentos e crises.
Se por medidas sanitárias fechamos as portas de nossas igrejas (templos), todavia a Igreja não está fechada, ela continua alimentando seus filhos (as) através da oração, da escuta da Palavra, das celebrações transmitidas pelas TVs, rádios e mídiassociais, continua assistindo aos pobres e criando redes de solidariedade. Em meio a esta pandemia, houve a redescoberta da “Igreja doméstica”, belo conceito de São Paulo VI. Mas, como celebrar a fé na sua beleza no contexto tão particular?
A estratégia da globalização influencia a necessidade da estetização do cotidiano, as pessoas acabam tendo uma grande preocupação com o belo, principalmente em relação às suas sensibilidades. Desse modo, muitas vezes, a grande preocupação dos fiéis com o embelezamento das celebrações deixa de lado a beleza do conteúdo doutrinal a ser aprofundado e vivido. É preciso resgatar o verdadeiro sentido da beleza como nos fala o papa (emérito) Bento XVI em muitas de suas obras e em diversos contextos: “a beleza, antes de tudo, é coerência: coerência da criação, da revelação, da tradição e coerência também do homem receptor da obra divina”. “Uma beleza não aberta a Deus reclui o homem nele próprio e é capaz de levá-lo ao desespero”. “Os que creem devem mostrar a beleza de sua fé em autênticas cerimônias, sobretudo, em sua liturgia”.
Frente a “Celebrações – Espetáculo” as paróquias são chamadas a vivenciar o belo nas celebrações do Mistério pascal, nos seguintes aspectos do Mistério: a memória salvífica, o momento da graça, a alegria da esperança.
- A) A memória salvífica
A missão da Igreja é evangelizar. Na era da estetização da fé, as homilias estão perdendo sua relevância para dramatizações. Certas celebrações estão virando programas de auditórios. O importante é bater palmas, estender as mãos, dançar mantras, gritar vivas, aplaudir e balançar bandeirinhas. O presbítero parece mais um animador de auditório. Mas, na contramão de tudo isso, o que os fiéis necessitam é uma catequese permanente. Uma boa homilia tem começo (despertar curiosidade), meio (explicar a Palavra de Deus) e fim (apontar para o mistério celebrado). Supõe preparar bem para falar o essencial.
- B) O momento da graça
As celebrações sacramentais são ações de Cristo Sacerdote para a vida de seu corpo, a Igreja. São ações cuja eficácia, em título e grau, transmite a graça como nenhuma outra ação da Igreja. O conjunto das celebrações litúrgicas está em íntima relação com a Eucaristia. Com dizia Simone Weil: “a beleza está para as coisas como a santidade está para a alma”.
- C) A alegria da esperança
A celebração do Mistério Pascal se dá através de um conjunto de ações simbólicas, pois expressa o grande mistério da esperança cristã. Gestos, palavras e ações visam à atualização da memória de Jesus, cuja presença se faz sacramento. Uma liturgia sacramental deve ser tecida de sinais e símbolos que expressam as dimensões da fé e da esperança que são por ela alimentadas. Finalmente, a memória salvífica vivida como momento da graça seja motivo de grande alegria neste momento da história.
Padre Othon Etienne,
Novembro de 2020