A Eucaristia é por excelência o lugar da experiência mistagógica, nem por isso queremos desconsiderar as demais expressões litúrgicas. Segundo o documento 100 da CNBB, n° 181 Comunidade de comunidades: uma nova paróquia « a Eucaristia é o encontro de Deus com a comunidade, da comunidade com Deus e dos membros da comunidade entre si ». À luz da riqueza da liturgia catecumenal, tão central para o processo de iniciação cristã, um passo a frente pede uma reflexão sobre o mistagogia, contudo, não somente na eucaristia, mas no conjunto da liturgia paroquial. Uma pergunta se faz necessária: o que é a mistagogia? É simplesmente um conceito teológico e intelectual?
O termo mistagogia, derivado da língua grega, é composto por dois conceitos: mist (vem de mistério) e agogia (conduzir, guiar). Assim, pode-se traduzir mistagogia como a ação de guiar, como arte de conduzir os fiéis para dentro do mistério celebrado, revelado através de cada rito, gesto e símbolo ou ainda acão pela qual o mistério nos conduz. Mistagogia é o tempo para saborear aquilo no qual se foi iniciado sacramentalmente. Consequência disto é que os sacramentos só têm valor salvífico por serem canais sacramentais de experimento do mistério. “Mistagogia, o tempo para a comunidade e os neófitos crescerem juntos aprofundando sua apreensão do mistério pascal …” (RICA, 37).
A característica maior da mistagogia está em oferecer ao catecúmeno uma maior oportunidade para degustar, celebrar e atualizar a graça sacramental e a caminhada da fé realizada no processo da iniciação cristã. Os mistérios sacramentais recebidos são agora mais conscientemente vivenciados: É tempo privilegiado para “o conhecimento mais completo e frutuoso, novas explanações e, sobretudo, a experiência dos sacramentos recebidos” (RICA, 38).
A liturgia continua sendo uma das principais atividades da paróquia. Considerável parte da agenda paroquial é dedicada ao culto, o que reforça a necessidade da pergunta se as liturgias paroquiais são mistagógicas, lugares do experimento e da vivência do mistério. Por natureza, é pela ação litúrgica que somos iniciados e mergulhados no mistério. Uma palavra da Escritura, um aperto de mão, um abraço, um gesto de oração, a água benta, um silencio profundo, uma aclamação vibrante, o Pão e Vinho partilhados, a unção com óleo, tudo isso pode ser um momento de descoberta, de experiência profunda do amor de Deus em nós. Tudo isso pode aumentar nossa opção por ele.
Neste particular, cabe aos símbolos cujo poder de evocar o mistério é inquestionável, um papel de suma relevância no tocante à experiência mistagógica. Entendemos por símbolos um campo maior do que o propriamente os objetos simbólicos. Afirmar a liturgia, e nela os símbolos como lócus da experiência do mistério, entram em cena diversos elementos: o canto, o ambiente, os gestos e ritos, o silêncio, a Palavra proclamada, a linguagem, a homilia em chave kerigmática e mistagógica, a assembleia reunida, e naturalmente os símbolos propriamente ditos, cuja força comunicativa supera em muito o racionalismo, que dificilmente toca ao coração onde habita o mistério. Vale lembrar que na cultura do ocidente se tem dado mais ênfase à linguagem verbal, o que significa estarmos em débito com a gramática dos símbolos. Daí a importância de constante sensibilidade para a busca de símbolos apropriados e inculturados.
São muitas, portanto, as riquezas, possibilidades de uma profunda experiência mistagógica na liturgia. Por outro lado, não poucas vezes, deparamo-nos com ritualismos, posturas, que não são capazes de evocar o mistério, como também não o são as liturgias não participativas ou massissas. Já não consegue a experiência do humano com o divino a mera execução de ritos como prescrição disciplinar. Se a religiosidade popular pode adentrar pelos caminhos do mundo mágico, também as liturgias podem padecer do mesmo erro, tornando a celebração repetição mecânica sem comunicar o mistério. O mesmo vale para os ritos catecumenais, os quais precisam estar em constante movimento de inculturação. A uniformidade da celebração, que não leva em conta a cultura não tem força para comunicar o mistério. Portanto, a eficácia da ritualidade catecumenal em muito depende do esforço de inculturação.
Padre Othon Etienne – Brasil